“As interpretações essencialistas sobre a sociedade portuguesa, que consideram fechada, tendem elas próprias, a ser fechadas, não deixando brechas por onde se possa pensar o futuro de modo não suicida.”
Deparei com esta frase na crónica do sociólogo Boaventura Sousa Santos na VISÃO desta semana e não pude deixar de considerar o sentido maior que encerra.
Dei comigo a pensar que os suicídios antes de serem um fenómeno colectivo são o resultado do ensimesmamento de cada um de nós em si próprio num alheamento individual à vida que impede a criação de alternativas e de valor.
E a propósito da angústia suicida apontada pelo sociólogo lembrei-me da minha afirmação na passada semana a um grupo de colegas advogados de Aveiro, iniciados num curso de formação em técnicas de mediação e de negociação. Dizia-lhes eu que o acto de mediar é equivalente à atitude quase de angústia, quase de revelação que experimentam os escritores diante da folha branca de papel. A atitude da infinita possibilidade do que pode vir a ser.
Queria eu transmitir-lhes a ideia de que mediar é quase uma arte – a de criar espaços de partilha e de comunicação onde antes só existia conflito e solidão.
E não deixa de ser curioso que a solidão de cada um de nós quando encerrados em posições de conflito interior ou conflito de relação, quando doridos por rupturas pessoais ou profissionais é, na escala correspondente, a mesma que enfrenta um país em ruptura de paradigmas.
O conflito é tão velho como a humanidade e é inerente às dúvidas e tormentos da alma humana. Não acabará nunca e é condição necessária do dinamismo e da evolução.
Compete-nos a nós profissionais da resolução do conflito, seja ao nível puramente judicial, seja como técnicos de métodos não adversariais, abrir diante dos olhos dos que nos procuram a possibilidade da alternativa. Deixar de conceber somente formas puras, únicas e isoladas de resolução de conflitos que por si só não fornecem respostas às inquietações de quem não se revê no mundo em que desajustadamente é obrigado a viver. Mas oferecer-lhes formas de se reconstruírem a si próprios. Devolver-lhes a responsabilidade por transformar posições de solidão e de intolerância, encerradas em si e tendentes ao “suicídio” da personalidade, em relações de partilha e de diálogo.
Compete-nos a nós profissionais da mediação, mas também seres humanos dotados todos das mesmas forças e fraquezas, saber criar laços ou redescobrir laços na comunicação que fracassou. Devolver a possibilidade ao homem ensimesmado de assumir quem é pela construção de relações de respeito e de proximidade com a essência do outro.
Este peso do desajustamento que carregamos em cada um de nós e que reflecte os dias maus desta portugalidade suicida só se cura quando descobrirmos que temos a capacidade de criar o nosso destino para além do existente.
Achei por bem agitar as águas mornas que vão correndo neste blogue e lançar o repto para a opinião terminando com a reflexão de Dora Fried Schnitman e Jorge Schnitman em LA TRAMA, revista interdisciplinaria de mediación y resolución de conflictos (Nuevos paradigmas, comunicación y resolución de conflictos): “Las metodologías para la resolución alternativa de conflictos pueden definirse como prácticas emergentes – que operan entre lo existente y lo posible. Quienes participan de ellas, al construir renovadas posibilidades en la resolución de sus conflictos, tienen la oportunidad de reconstruir sus relaciones y a sí mismos”.
Sandra Oliveira
1 comentário:
Chamo a atenção para a frase do mês: "aquele que não aplicar novos remédios deve esperar novos males, pois o tempo é o maior inovador" (Bacon
Creio que o acto de mediar (conflitos) é também uma forma de quebrar a solidão (aquela que é natural a quem se encontra em conflito).
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